quinta-feira, 9 de julho de 2009

A intervenção proposta para o Palácio de Cristal: alguns factos e ideias

Lago dos Jardins do Palácio de Cristal. DR

Opinião baseada em factos

Começa a surgir alguma discussão sobre o projecto de requalificação escolhido para o Pavilhão Rosa Mota (PRM) e Jardins do Palácio de Cristal no Porto. É imprescindível estar ciente do maior número possível de factos e de dose inversa de demagogia.

Pretende-se contribuir para que seja possível a todos os interessados neste tema, formularem a sua opinião de forma esclarecida.

É importante acautelar que, na minha leitura dos factos, o modelo de negócio, a intervenção no PRM e a intervenção no seu exterior, são questões que podem ser independentes umas das outras.

De seguida descrevem-se em traços gerais algumas das principais componentes do projecto: o modelo de negócio proposto, as intervenções no PRM e por fim a intervenção nos Jardins do Palácio.

1) O modelo de negócio proposto

O PRM é uma infra-estrutura gerida pelo Porto Lazer – Empresa de Desporto e Lazer do Município do Porto, EM, que actualmente não alberga eventos com periodicidade regular e com relevância em número de visitantes anuais.

A actual proposta de negócio visa criar uma sociedade, sob a forma de uma parceria público-privada entre a Porto Lazer e um consórcio. Esse consórcio tem a seguinte constituição:

- AEP - Associação Empresarial de Portugal
- Associação Amigos do Coliseu do Porto
- Atlântico - Pavilhão Multiusos de Lisboa, S.A
- Parque Expo 98, S.A.

1.1) A parceria público-privada

A Porto Lazer será detentora de 20% do capital social e o consórcio 80%. Durante 25 anos o consórcio será responsável pela exploração do PRM.

Durante esse período será pago pelo consórcio uma renda anual de 550.000 euros acrescido de uma renda anual variável, correspondente a uma percentagem de 3% no caso das receitas provenientes da exploração do PRM serem inferiores a 4.000.000 euros, ou 4% se o valor das receitas for superior a 4.000.000 euros.

1.2) O investimento

O investimento previsto será de cerca de 1.500.000 euros por parte do consórcio. A Porto Lazer investirá 15.500.000 euros, dos quais, 4.650.000 euros poderão vir do QREN (Quadro de Estratégia de Referência Nacional).

O edifício novo a construir, referido no projecto como “salas anexas” terá um investimento previsto de 1.500.000 euros suportado pelo consórcio.

O Período de Recuperação do Investimento (PBP) da CMP/Porto Lazer foi calculado em 15 anos.

2) Não “meter tudo no mesmo saco”

É preciso não confundir espaços e ser preciso nas palavras e ideias que se querem transmitir.
A intervenção projectada pode ser separada em três partes: a reabilitação/requalificação do PRM, a construção das “salas anexas” e a construção de um espelho de água.

A meu ver, esta é uma forma lógica de se analisar um tema complexo. Formular uma opinião sobre cada uma das partes individuais e depois ponderar sobre a globalidade do projecto.
A definição das oportunidades de melhoria do projecto será também mais óbvia.

2.1) Reabilitação/requalificação do PRM

A proposta de reabilitação/requalificação do consórcio, assenta na ideia que após a intervenção naquele espaço, o Porto ficará dotado de um equipamento novo com características únicas na cidade e na periferia, de modo a poder albergar eventos de natureza variada. A cidade ganhará um pavilhão multiusos e não apenas um centro de congressos como às vezes tem sido referido.

Devido à classificação do PRM pelo IPPAR as características arquitectónicas não serão alteradas e a renovação será fundamentalmente no interior do edifício.

A requalificação/reabilitação do interior do Pavilhão Rosa Mota tem como objectivo principal, adoptar o edifício de modo a ter condições excepcionais para o acolhimento de:

- Espectáculos (concertos, música e dança)
- Eventos desportivos
- Family shows (espectáculos infantis, espectáculos no gelo, espectáculos equestres, circos, etc)
- Acolhimento de congressos, seminários e reuniões de empresas
- Realização de banquetes e catering.

2.2) Construção das “salas anexas”

No actual projecto está previsto a construção de um edifício novo no exterior do PRM com uma área de 2.500 m2. São as chamadas “salas anexas”, cujas funções não estão ainda bem definidas.

A localização da sua construção situa-se numa área que actualmente, penso eu, está ocupada em parte pelo lago. É devido à construção desta estrutura que surgem as questões relacionadas com o impacte negativo na vegetação da área circundante ao lago.

No entanto não se pode falar de “destruição dos Jardins do Palácio” com tenho visto anunciado com grande alarmismo, visto que é numa área dos Jardins muito específica e com todos sabemos os Jardins são muitos mais extensos do que a área adjacente ao lago.

Será de prever que a construção do edifício em si nessa zona, implicará movimentações de terra e maquinaria pesada. Os impactes decorrentes da construção, prevejo que sejam significativos e contraditórios dadas as funções de lazer que os Jardins do Palácio de Cristal actualmente desempenham.

Este edifício servirá provavelmente para acolher eventos de dimensão mais pequena que não sejam capazes de preencher a lotação do Pavilhão Rosa Mota requalificado. Albergará eventualmente algum tipo de restaurante com funções de banquetes e de catering, no contexto de reuniões empresariais e de congressos.

2.3) Construção de um espelho de água

Está previsto no actual projecto a substituição do actual lago por um espelho de água.
Sobre esta particularidade do projecto não disponho de muita informação. O projecto arquitectónico teria que ser alvo de estudo para poder opinar de forma esclarecida.

Entendo que os autores do projecto arquitectónico terão concluído que é necessário intervir no lago para construir o novo edifício “salas anexas”. Portanto a abordagem encontrada foi a eliminação total do lago com a construção de um espelho de água.

Concluiu-se a meu ver, que a motivação principal e senão a única razão, para intervir de forma tão drástica no lago é a própria construção do novo edifício e o seu enquadramento estético, sob o ponto de vista dos autores do projecto arquitectónico.

A individualidade das questões e tomada de posição

Podemos ser a favor ou contra cada uma das partes individuais do projecto proposto. Poderei ser a favor da reabilitação do Pavilhão Rosa Mota e contra a construção das “salas anexas” por entender que são dispensáveis e que não justificam a construção de qualquer edifício nos Jardins do Palácio de Cristal.

Consequentemente sem a construção do novo edifício, deixa de haver motivo para destruir o actual lago, preservando o património existente e poupando o Jardim de sacrifícios.

Quero ainda ressalvar que meu entendimento, o acesso aos Jardins do Palácio de Cristal continuará obviamente a ser gratuito e ninguém será impedido de os visitar, que não seja esquecido que no seu interior existe uma biblioteca municipal.

Exige-se a utilização de argumentos válidos, lógicos, verdadeiros e sobretudo assentes em factos e não em especulações.

Espero que o presente texto contribua para um debate público esclarecedor, motivador de tomadas de posição e de soluções alternativas e recordo que esse deverá ser o objectivo e não uma luta desordenada de argumentos duvidosos.

Voltaremos a este assunto

Palácio de Cristal original construído para acolher a Exposição Industrial Internacional do Porto e da Península. DR

7 comentários:

Anushka disse...

Não levantaste uma questão, que a meu ver, é importante, que é a salvaguarda dos espaços existente, nomeadamente, dos jardins e das espécies que lá vivem.
É óbvio que a remodelação que o PRM vai sofrer, vai mexer com a actual forma de estar do parque e não sei até que ponto haverá cuidado na construção e uma preocupação evidente no sentido de preservar o que já existe e que muito bem está. O pavilhao pode, e deve, certamente sofrer remodelações significativas, uma vez que o espaço está velho e desactualizado e não tem de facto condições ao nível do pavilhao atlântico ou semelhante.
Acho, acima de tudo, que a construção das salas anexas, espelho de água ou o que quer que seja, deve ter em conta a arquitectura existente, fauna e flora, incluidas. Não vamos agora destruir o lago e já agora algumas árvores centenárias e desabitar as espécies que lá vivem, pois a bem da estética e das vontades dos arquitectos, não estão em confluência com o novo edifício... Isso seria começar pelo fim, um verdadeiro atentado e uma falta de respeito total pelo património da cidade. Uma sala multiusos não justifica, a meu ver, esse tipo de alterações.
Se for algo bem planeado e executado, pode realmente melhorar e transportar o Palácio De Cristal para um novo nível que satisfará as necessidades da população da cidade e convidar outros a virem usufruir das suas diferentes benesses, modernizadas mas características da época em que foi construido e dentro do seu actual papel da cidade do Porto.

Armando Alves disse...

Cara Anushka,

O texto pretende ser mais informativo,do que uma tomada de posição pessoal.

Quantas mais questões se levantarem sobre este projecto melhor, significa que estão abertas as portas à discussão e à tomada de posição pessoal.

Fazes muito bem em falar na salvaguarda dos espaços existentes, nomeadamente naquela zona dos Jardins ao redor do lago.

Estamos também de acordo em relação ao potencial desaproveitado do actual PRM.

Cumprimentos

Paulo Araújo disse...

Uma vez decidida a construção das «salas anexas», e havendo a preocupação de não alterar a imagem do Pavilhão Rosa Mota para quem o vê da entrada do recinto, alguém terá lembrado que o lago representava um «espaço livre» que podia ser ocupado com edificações. E as «salas anexas» estão de facto projectadas para o espaço onde hoje está o lago. O que sobrará do lago (menos de metade) será o tal «espelho de água», mas com margens estilizadas (em linha recta em vez de curvadas). Outra «vantagem» que poderá ter essa opção, na opinião dos seus autores, é que a vegetação em redor do lago pode ser em grande parte poupada. Creio, no entanto, que há aí um excesso de optimismo (ou uma vontade deliberada de enganar as pessoas): é que os edifícios não se fazem sem se escavarem alicerces, e é inevitável que muitas das árvores supostamente poupadas tenham as suas raízes amputadas. Além de que ficarão engaioladas em caixas de betão, e por isso as suas condições vegetativas irão piorar muito. Se as árvores se perderem, dirão que é azar - mas, acrescento eu, um azar perfeitamente previsível.

Apesar de a área afectada não ser grande (em todo o caso, os próprios jardins do Palácio já não são muito grandes), a destruição do lago e a artificialização da zona envolvente representam um golpe gravíssimo, e completamente injustificado, no equilíbrio do jardim. Tão grave, no fim de contas, como foi a destruição do edifício original do Palácio de Cristal, há mais de 50 anos.

Dito isto, concordo genericamente com o seu texto. Não tenho qualquer opinião sobre a bondade ou falta dela da parceria público-privada que vai gerir o complexo. Acho muito bem que se modernize o Pavilhão Rosa Mota. Mas isso não justifica que se estrague o jardim, de que o lago e a envolvente são uma parte essencial.

Armando Alves disse...

O Paulo Araújo foca e bem, a meu ver, as previsíveis nefastas consequências para a vegetação, decorrentes da construção do lago e das "salas anexas".

Subscrevo por completo também quando afirma que o equilíbrio do Jardim será alterado.

Seria bom haver um projecto arquitectónico alternativo ao que é actualmente proposto, que não preveja a alteração do lago e a construção de edifícios novos, mantendo a reabilitação do PRM.

Decerto que haveria na mesma vozes discordantes, mas pelo menos seria uma escolha entre duas alternativas de projecto.

Com um só projecto apresentado, é uma escolha entre "tudo ou nada"...

Cumprimentos

Vitor Silva disse...

>>"Com um só projecto apresentado, é uma escolha entre "tudo ou nada"..."

esta é para mim uma das principais questões. o facto de nos apresentarem uma solução e (parece-me) não encararem a hipótese de haver soluções alternativas para o mesmo programa.

acho que mais do que debater as grandes orientações estratégicas sobre estes temas o que importa é saber como eles são implementados e discutir essas implementações concretas

Armando Alves disse...

Caro Vitor Silva,

No novo "post" levanto questões muito concretas que espero ver discutidas.

Cumprimentos

Ricardo S. Coelho disse...

Pedia-vos para assinar e divulgar a petição para um referendo local sobre este assunto, disponível em:
http://defesadopalacio.pegada.net/?page_id=236